quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

Scoop [2006]



de Woody Allen

Woody light

Scoop é o segundo filme consecutivo de Woody Allen rodado em Londres. Scoop é o segundo filme consecutivo de Woody Allen rodado em Londres com Scarlett Johansson, a sua nova musa. Mas se em Match Point esta o tinha inspirado numa história amarga e inesperada de ambição, desejo, traição e morte, em Scoop Johanson inspirou uma história de ambição, desejo, traição, morte e humor.

A obra anterior do autor nova-iorquino prometia um regresso a temas tão bem explorados ao longo da sua carreira, quase estabelecendo um pararelismo com Crimes and Misdemeanors de 1989, mas Scoop vem retomar a veia cómica ressurgida nos seus filmes mais recentes naquilo a que se pode chamar de Woody light. Aqui a morte não é temida como um fim inevitável. É, ao invés disso, o ponto de partida para uma narrativa que se desenrola numa lógica de comédia de situação. Um improvável furo jornalístico cai no colo de Sondra Pransky (Scarlett Johansson a fazer de Woody Allen) que com o auxílio de Sid Waterman (Woody Allen a fazer de, bem, Woody Allen) inicia uma investigação que implica uma aproximação muito pouco profissional ao sujeito investigado (Hugh Jackman), um potencial assassino em série.

A execução de Scoop é Allen vintage. Narrativamente ecconómico e visualmente sóbrio é na interacção entre as personagens e nos diálogos que o humor se revela e onde se encontram algumas das pérolas a que nos habitou. É impossível não passar alguns dias após ver este filme sem esboçar uns sorrisos aos lembrarmo-nos de uma ou outra tirada. Depois de Match Point talvez se esperasse mais do próximo Allen mas, ao ritmo de um filme por ano, não teremos de esperar muito para ver por que caminho irá o próximo.

Winter Passing (Estranhos em Casa) [2005]



de Adam Rapp

O manual do cinema indie

Winter Passing é um típico produto de cinema indie. Adam Rapp poderia ter escrito a cartilha, tal a eficiência com que nos presenteia um rol de lugares-comuns: desde personagens desajustadas (a aspirante a actriz com tendências masoquistas; o escritor à beira da loucura com bloqueio criativo; o ingénuo e tímido com talento para tocar guitarra), passando pelas situações surreais (o jogo de golfe dentro de uma divisão da casa; o "quarto" montado no quintal; o alce atropelado e abandonado na estrada), para não falar na câmara ao ombro colada às personagens. Todos estes elementos são lançados numa caldeirada com pouco brilho e cuidado narrativo onde nem o tom é estabelecido - comédia dramática ou drama cómico? O resultado é um filme banal onde são perceptíveis as declarações de intenção do autor, mas onde as soluções passam claramente ao lado.

Ed Harris e Will Ferrel, este num papel totalmente oposto à sua imagem de cómico descontrolado, estão irrepreensíveis apesar do pouco que lhes é pedido fazer, nunca ofuscando a luminosa Zooey Deschanel. Com Reese, a única personagem que ultrapassa o esboço, Deschanel carrega o filme aos ombros conquistando o espectador apesar das suas motivações e comportamentos menos ortodoxos. Os seus enormes e expressivos olhos azuis e a sua beleza natural aliam-se a uma notável capacidade dramática para nos oferecer uma interpretação cativante que, só por si, fazem valer a pena uma espreitadela em Winter Passing.

Caché (Nada a Esconder) [2005]



de Michael Haneke

Cirurgia alienadora

Apesar de Michael Haneke ter dado nas vistas em 1997 com Funny Games, e desde então produzir obras aclamadas pela crítica a bom ritmo, Caché foi o meu primeiro contacto com o cinema do autor bávaro.

Caché parte de uma premissa em tudo parecida com a de Lost Highway de David Lynch: um casal começa a receber videocassetes de origem desconhecida que mostra a a sua casa filmada do exterior, sugerindo que alguém observa o seu dia-a-dia. O que ao princípio parece ser uma piada de mau gosto depressa se revela ser algo mais ameaçador. Assumindo os parâmetros do thriller Haneke baralha as regras do género, oferecendo-nos uma narrativa pausada e mais interessada nos pormenores do quotidiano abalado pelos segredos que a pouco e pouco se vão revelando do que em artifícios narrativos e visuais. Caché vive de uma violência muda, de um tumulto à flôr da pele que ameaça revelar-se. É por isso um filme bastante seco e com uma carga brutal de realismo. Como na vida real não existem explicações fáceis nem desfechos previsíveis. Mas esta é também a sua maior fraqueza.
Com a sua austera mise en scène, Haneke é um cineasta que corre o risco de alienar o espectador, traçando, ao não envolver o mesmo com as suas personagens e com a ameaça a que estão sujeitos, uma linha muito ténue entre uma direcção cirúrgica e a indiferença.

Mission: Impossible III (Missão Impossível III) [2006]



de J. J. Abrams


Missão à antiga

Mission: Impossible III é um produto. Nas mais diversas formas que o cinema toma aquela que mais parece encher os nossos cinemas, bem como o gosto do público, é a do cinema enquanto entretenimento. Quer se goste ou não existe uma máquina industrializada que produz filmes com o objectivo de encher os cofres de quem o financiou. Os filmes são lançados em épocas do ano propícias a essa rentabilização, em competições medidas em números de espectadores pagantes. A verdade é que, mesmo dentro género de filmes, se assim o quisermos chamar, existem filmes bons e maus. Enquanto espectador tenho determinadas expectativas em relação aos diferentes tipos de cinema que procuro, mas procuro sempre cinema de qualidade dentro desses tipos. Dito isto afirmo: Mission: Impossible III é um óptimo produto.

Para o bem e para o mal, no franchise Mission: Impossible Tom Cruise procura sempre diversificar na escolha de realizador para cada novo filme. Um realizador que contribua com as suas sensibilidades e opções estéticas. Depois de várias opções que nunca se chegaram a concretizar foi escolhido para este terceiro capítulo J. J. Abrams, sem nenhuma longa-metragem realizada para o cinema, mas criador das séries de T.V. Alias e Lost. A escolha não podia ter sido mais acertada. Abrams demonstra um à vontade invejável nas gigantescas e empolgantes cenas de acção. O espírito da série original regressa também através da constituição duma equipa multifacetada para a execução das arriscadas missões. A narrativa, se bem que pouco original, é económica, fornecendo determinação e carga emocional q.b. a Ethan Hunt/Tom Cruise. Mas a cereja em cima do bolo é uma prestação deliciosa de Philip Seymour Hoffman como o vilão de serviço. O camaleónico actor oferece-nos uma personagem viscosa e odiosa com uma naturalidade ao alcance de poucos.

Não é certamente o filme da vida de ninguém. Nem vai estimular muitos cérebros. Mas são duas horas de entretenimento de grande qualidade.

V for Vendetta (V de Vingança) [2005]



de James McTeigue


Terrorismo inspirado

Não conhecendo a novela gráfica de Alan Moore que deu origem a V for Vendetta vi o filme de James McTeigue com um conhecimento quase nulo do que ía encontrar. Adaptado pelos irmãos Wachowski, após o desaire da conclusão da trilogia The Matrix, V for Vendetta lida com temas tangentes àquele. Numa Londres futura impera um estado fascista. Uma noite o destino de Evey cruza-se com o de V, um terrorista com um passado trágico disposto a iniciar uma batalha contra o sistema totalitarista que reina.

O grande trunfo deste filme é a personagem de V. Presumo que este mérito seja do texto original de Alan Moore. V esconde a sua verdadeira identidade atrás duma máscara de Guy Fawkes, personagem real que em 1605 planeou destruir as casas do parlamento londrino. A sua presença em ecrã é magnética e nós, espectadores, tal como Evey, somos aliciados pelo seu discurso poético e inspirado. Aqui. ao contrário da imagem do terrorista que reina no mundo actual, os meios radicais com que opera fazem de V uma inspiração pela luta pela liberdade e pelo direito ao individualismo. À medida que se conhecem as suas motivações, não só Evey, mas toda uma sociedade cansada da opressão em que vive, e apesar do terror imposto, desperta para uma luta de massas que promete desencadear a libertação desejada.

James McTeigue, antigo assistente de realização, estreia-se nas longas-metragens com uma realização sólida. As cenas de acção são empolgantes e o ritmo imposto, em que todas as cenas são relevantes e impulsionam a narrativa para a frente, fazem de V for Vendetta uma óptima experiência que promete não se esgotar na primeira visão.

Superman Returns (Super Homem - O Regresso) [2006]




de Bryan Singer

O regresso do herói

Depois de anos de tentativas falhadas para trazer de volta ao grande ecrã o homem de aço foi Bryan Singer - autor que à primeira obra nos ofereceu o espantoso The Usual Suspects e que, a par com o Sam Raimi (Spider-Man e Spider-Man 2) vinha injectando de credibilidade as adaptações de comics para cinema com os dois primeiros capítulos dos X-Men - quem conseguiu levar um novo projecto do seu herói favorito a bom porto. Escolheu um actor desconhecido para envergar a capa vermelha, Brandon Routh, um peso-pesado da interpretação para encarnar Lex Luthor, o eterno rival de Super-Homem, Kevin Spacey, e decidiu esquecer os esquecíveis Superman III e Superman IV: The Quest for Peace para retomar a história como se estes nunca tivessem acontecido.

A primeira impressão com que ficamos ao ver este Superman Returns é a de que o tom é de tal forma reverencial ao Superman de Richard Donner, filme chave na história das adapatações cinematográficas de heróis de BD que se tornou praticamente um template para subsequentes adaptações semelhantes, que se confunde com colagem ao mesmo. Desde a reprodução do genérico daquele passando pela música original de John Williams utilizada no mesmo à chegada do herói numa capsula em forma de cristal - a história começa com o regresso à terra do Super-Homem depois de anos de ausência - todos os elementos são por demais familiares para aqueles que bem conhecem o primeiro filme da saga. Além disto nota-se um cuidado com a construção da história e dos personagens que foca Lois Lane que, desiludida com a ausência inesperada daquele que se tinha no passado tornado no amor da sua vida, decide continuar com a sua vida e desenvolve uma relação que resulta num filho, bem como Lex Luthor, mais ameaçador que nunca, e novamente com um plano megalómano que promete pôr em perigo milhares de pessoas, bem como a própria existência de todo o continente Norte-Americano.

O resultado da combinação destes elementos e, apesar das boas interpretações de todos envolvidos, é bastante ameno. A reverência de Singer resulta num filme onde a progressão da história acontece a um ritmo pausado e as (poucas) cenas de acção nunca atropelam a lógica do desenrolar da narrativa. Só que fica sempre a sensação de que o todo é menor do que as somas das partes: o binómio Clark Kent/Super-Homem nunca é devidamente aproveitado; o arco de Lois Lane é desiquilibrado, quebrando a extrema frieza que demonstra desde o início do filme sem razão aparente; Lex Luthor parece determinado a executar o seu plano como se não existisse num filme do Super-Homem e este fosse apenas mais um obstáculo a ultrapassar. Os resultados modestos nas bilheteiras não devem impedir que a saga continue, mas Singer terá de reencontrar a inspiração que revelou em X2: X-Men United, exemplo maior de respeito pelo material de origem em excelente filme de super-heróis nascidos na BD.

Flags of Our Fathers (As Bandeiras dos Nossos Pais) [2006]



de Clint Eastwood


Classicismo ou academismo?

Clint Eastwood é considerado um dos últimos grandes realizadores clássicos americanos vivos. Verdade ou não a sua carreira recente tem sido recheada de fabulosos filmes que não se adivinhariam nos tempos do homem sem nome da trilogia dos dólares de Leone, ou por alturas dos policiais segundo a fórmula estabelecida por Dirty Harry nos anos 70. Se, na viragem da década de 90 (descontando Space Cowboys) vimos Eastwood a redefinir o thriller policial através da realização segura e bastante minuciosa de True Crime e Blood Work - interessantes estudos de género onde o (anti) herói estava em constante braço de ferro contra a sua própria idade e mortalidade - foi com Mystic River que o realizador americano mostrou todo o seu potencial dramático e narrativo numa história onde um crime brutal é o pretexto para a uma análise profunda e humana a um conjunto de personagens que servem como um caldeirão para temas como a vingança, o arrependimento, o amor, a justiça, a lealdade ou a abolvição num filme contido e de excelente direcção de actores. Esta tendência manteve-se com o premiado Million Dollar Baby que se revelou mais um grande trabalho de caracterização de personagens onde o drama abunda mas o melodrama fica de fora.

Com isto chegamos ao projecto ambicioso de Eastwood de retratar ambos os pontos de vista da batalha de Iwo Jima, que opôs americano a japoneses na Segunda Guerra Mundial. É do primeiro dos dois filmes que aqui se fala, Flags of Our Fathers, que retrata a perspectiva americana daquele episódio histórico. Optando por atravessar várias épocas distintas no tempo, partindo assim da premissa do livro escrito por James Bradley que serviu de inspiração ao filme, Eastwood alterna maioritariamente entre a batalha propriamente dita, e o consequente aproveitamento dos sobreviventes da famosa foto tirada no monte recém conquistado aos japoneses para o esforço de angariação de fundos para a guerra. Este dispositivo narrativo não evita que o filme caia nas armadilhas do filme de reconstituição. E, se não há dúvida que é um filme competente na sua encenação e execução, o resultado final aproxima-se de um academismo de filme de matiné que se agrava no último terço através do recurso abusivo do voice-off, que aparenta ser resultado de um esgotar de ideias para levar o filme a bom termo.

Aparentemente nem sempre um bom tema dá bom material para cinema. Se Eastwood tivesse feito um documentário para o canal História, teria sido dos melhores que já tinha visto. Assim fez apenas um filme competente mas sem chama.

Babel [2006]



de Alejandro González Iñárritu


Cinema de entranhas

Há realizadores que nos deliciam com o poder visual das suas obras. E há aqueles, mais cerebrais, que nos fazem pensar. Certos autores fazem-nos sonhar. E outros dão-nos socos no estômago. Viscerais, confrontando-nos com emoções que nem sempre queremos experimentar. É este o cinema de Iñarritu.

Babel completa, em conjunto com Amores Perros e 21 Grams, a chamada "trilogia do sofrimento". Em conjunto com o fiel argumentista Guillermo Arriaga o realizador mexicano desenvolveu um estilo muito próprio, tanto tematicamente como formalmente. Babel, tal como os anteriores, vai-se desenvolvendo como se de um puzzle se tratasse. As quatro narrativas que o constituem desenrolam-se de uma forma fragmentada e, aparentemente, aleatória. Diria que como reflexo das personagens que as habitam onde o acaso das acções provoca o desmoronar de qualquer realidade segura que possa servir como porto de abrigo. Seja a desagregação de uma família marroquina provocada por uma generosa oferta; o desespero de um casal americano resultado de um acidente que tem tanto de inútil como de casual; a impotência de uma babysitter mexicana abandonada num acto de desespero irracional conjuntamente com as crianças que educou desde bebés; ou, na melhor das histórias, o esforço de uma adolescente japonesa em conseguir comunicar, em mais do que um sentido, e conseguir o afecto que tanto deseja (e precisa). É esta vertente que alimenta Babel daquilo que, doutra forma, o tornaria uma experência pouco compensadora: humanismo. Se é verdade que todas as narrativas apresentam uma visão pessimista do nossa existência pretensamente global é também verdade que se encontra uma réstia de optimismo e esperança na história de Chieko. Mesmo com todas as barreiras que se levantam entre ela e os outros.

Em suma, um filme de digestão difícil que confirma Inãrritu como uma força criativa. Mas a fórmula pode-se ter esgotado aqui. Mais sofrimento não, por favor.

The Prestige (O Terceiro Passo) [2006]



de Christopher Nolan


A arte da ilusão

Depois de deixar meio mundo boquiaberto com Memento, de deixar Al Pacino com insónias em Insomnia, e de injectar nova vida na franchise do homem morcego com Batman Begins, Christopher Nolan apresenta-nos The Prestige. Esta história da disputa pela fama e glória de dois mágicos rivais em plena sociedade londrina no virar do século dezanove é mais um estudo de almas torturadas e obcecadas que parece ser o tema recorrente da filmografia de Nolan. Além desta recorrência temática o realizador inglês volta a apresentar um exercício de manipulação do espectador que tão bons resultados tinha conseguido com o anteriormente mencionado Memento. Mas o que funcionava através do brilhante formalismo estrutural naquele filme é o que condena à partida The Prestige. Tal como as personagens principais, interpretadas com entrega por Christian Bale e Hugh Jackman, também Nolan parece determinado a enganar o espectador a todo o custo. Este esforço traduz-se numa narrativa demasiado esquemática que, no final de contas, se deixa revelar demasiado. Exactamente como assistir a um truque de magia para, no final, nos serem revelados todos os segredos por detrás dele. Além disso é desanimador assistir a uma narrativa que insiste tanto na ideia da ilusão e da percepção apoiar-se numa muleta fantástica que sabe a traição ao próprio espírito do filme.

The Prestige conta com óptimas interpretações do elenco principal - mesmo a Scarlett Johansson, com uma personagem pouco desenvolvida, consegue estar à altura do desafio - bem como uma fotografia e direcção artística de encher o olho. Mas, apesar de todos os ingredientes que Nolan teve à sua disposição, não há forma de esconder o sabor a desilusão.