terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Bubble (Uma Nova Experiência de Steven Soderbergh) [2005]



de Steven Soderbergh
A fragilidade da bolha

Steven Soderbergh é um dos cineastas americanos contemporâneos mais versáteis a filmar actualmente. Movimentando-se com um à vontade invejável entre o cinema mainstream de estúdio e projectos independentes e pessoais Soderbergh nem sempre nos dá a conhecer obras-primas, mas proporciona-nos sempre experiências interessantes.

Imediatamente após a desilusão (apesar do sucesso comercial) de Ocean’s Twelve, Soderbergh mostra-nos Bubble. Este é um filme de baixíssimo orçamento que contou com uma estratégia de divulgação invulgar, e quem sabe revolucionária: contrariando o proteccionismo dos grandes estúdios em relação aos seus filmes, Bubble foi lançado simultaneamente em cinema, DVD e exibido num canal por cabo norte-americano, dando assim a escolher ao consumidor o meio pelo qual este o podia experimentar.

Em relação ao filme propriamente dito o que temos é um exercício algo experimental e improvisado sobre as relações que se estabelecem entre os trabalhadores de uma fábrica de bonecas numa comunidade do interior dos EUA, onde as perspectivas de vida se reduzem à rotina do dia-a-dia. A superficialidade dessas relações e a interiorização dos sentimentos funcionam como uma “bolha” entre as diversas personagens, levando a um desfecho trágico, motivado por sentimentos pouco claros mas nitidamente desenquadrados da realidade. Tudo isto filmado por uma mão segura e um olho clínico. O realismo sente-se na pele e as mensagens são subtis.

Resumindo, Bubble é uma óptima experiência de Steven Soderbergh.

Flightplan (Pânico a Bordo) [2005]



de Robert Schwentke

Bocejo a bordo

Jodie Foster tem de ter uma conversa séria com o seu agente. Semi-retirada, escolhendo os projectos em que participa a dedo, é um mistério como aceita participar em Flightplan.

Kyle Pratt regressa com a sua filha Julia de Berlim para os EUA depois do aparente suicídio do marido. Uma vez no avião Julia desaparece sem deixar rasto e, aparentemente, não há registo que alguma vez tenha entrado a bordo. O que se segue é o habitual desbaratar de um bom ponto de partido para uma boa história por um realizador sem o fôlego para elevar o filme mais alto que os clichés impostos pela lógica de indústria em que se orgulhosamente Flightplan se insere. Thriller sem pouca imaginação, recheado de situações improváveis e com Foster a transformar-se em super-mãe de forma a recuperar a filha num desfecho que tem tanto de previsível como de implausível.

A evitar.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

I Heart Huckabees (Os Psico-Detectives) [2004]



de David O. Russell

Pretensiosismo despretensioso

David O. Russel juntou um leque interessante de talentos em I Heart Huckabees. Jason Schwartzman, Dustin Hoffman, Lily Tomlin, Isabelle Huppert, Jude Law, Naomi Watts e Mark Wahlberg constituem o núcleo central de actores onde Albert Markovski, um ambientalista com problemas existenciais contacta os Psico-Detectives do título em português, Bernard e Vivian, para o ajudarem com questões tão prementes como a razão da existência, o significado do acaso, ou a própria existência ou não deste. Mas as coisas complicam-se quando este se junta a Tommy Corn e a uma Psico-Detective rival, Caterine Vauban. Ao mesmo tempo Albert luta contra os sentimentos contraditórios que lhe desperta Brad Stand, o corporativo rival, casado com a mulher troféu Dawn Campbell.

O resultado deste emaranhado de histórias é um filme insólito e muito desequilibrado. Nenhuma das personagens provoca a simpatia do espectador. As suas acções são a maior parte das vezes motivadas por egoísmo e capricho. As questões existencialistas com que se confrontam não têm uma ressonância universal alienando assim o espectador. Além disto a caracterização das personagens é quase inexistente, apoiando-se a narrativa no surrealismo das situações para justificar os comportamentos das mesmas. Apesar disto é visível a intenção despretensiosa de Russel que se acaba por perder como um cozinheiro que não teve mãos para tantos ingredientes. Desta forma, em vez de um doce conventual, o resultado sabe a gemada.

Lady in the Water (A Senhora da Água) [2006]



de M. Night Shyamalan

História da carochinha

Eu sou um fã incondicional de M. Night Shyamalan.

Shyamalan, exceptuando os dois primeiros filmes aos quais nunca meti a vista em cima, desde The Sixth Sense tem-nos presenteado com o seu universo e linguagens muito próprias, sempre na fronteira (ou um passo para além desta) do fantástico e contrariando as regras dos filmes de género para nos fascinar com o seu universo muito pessoal. Esta abordagem teve como culminar o sublime The Village, visualmente deslumbrante, respirando sabedoria e confiança na narrativa onde os twists, quase tão sussurrados como as próprias personagens, não eram um fim, mas sim as peças fundamentais para a percepção de um todo maior que a soma das partes. The Village foi mal recebido pelo público e crítica e foi o último filme que Shyamalan fez em parceria com a Disney. O seu projecto seguinte foi o muito conturbado Lady in the Water.

Lady in the Water teve um nascimento difícil. Desentendimentos com produtores demonstravam uma falta de fé no projecto. Quando finalmente estreia Lady in the Water é arrasado pela crítica. Desta vez, lamento dizê-lo, com razão. A história de embalar transformada em filme abre-nos as portas para um universo fantástico onde a narf Story, a titular Senhora da Água, presa no nosso universo num condomínio privado, precisa de recorrer à ajuda dos habitantes do mesmo para regressar em segurança ao seu mundo. As subtilezas desta vez não existem. O universo de habitantes do condomínio como amostra de toda a Humanidade ou a perspectiva de que todos temos um papel relevante num todo maior que a nossa compreensão não alcança são apenas alguns exemplos das mensagens que nos são servidas à colherada numa narrativa muito consciente de si própria, onde a suspensão da descrença é atirada pela janela a partir do momento em que todas as personagens se envolvem sem nenhum esforço de persuasão num conto de fadas dentro do conto de fadas. O pior é que, conto de fadas ou não, há um factor decisivo quando se conta uma história: empatia. Chegar a meio do filme e não estar envolvido com as personagens nem interessado no desfecho do mesmo é sempre mau sinal.

Eu era um fã incondicional de M. Night Shyamalan.

Hustle & Flow [2005]



de Craig Brewer

Perseguindo o sonho

Hustle & Flow chocou muita gente ao arrecadar na cerimónia referente a 2005 o Oscar para melhor canção com o rap It's Hard Out Here for a Pimp dos Three 6 Mafia. Se bem que à partida esta referência possa afastar quem não se interessa pelo género musical, desenganem-se: Hustle & Flow é um bom bocado de cinema.

A grande força deste filme é, sem dúvida, Terrence Howard que carrega o filme às costas com uma interpretação segura e complexa, evitando os lugares comuns em que o material poderia facilmente cair. Howard consegue um retrato realista e humano de Djay - um chulo em crise de meia-idade que começa a questionar o rumo da sua vida e decide seguir o sonho de fazer música como alternativa a uma vida insatisfatória. Sempre cativante, por vezes na fronteira do ameaçador, outras vezes desprezível, é um feito a empatia que Djay consegue com o espectador. Aliado a isto, todas as personagens que o rodeiam têm espaço para respirar num filme que vive delas e que, no fim de contas, são decisivas para o desfecho da história. Este será o ponto menos conseguido de todo o filme. Não sendo original nas suas premissas desenrola-se sem sobressaltos até à conclusão esperada e prevista. Mas este pormenor é de somenos num filme inspirado, com interpretações seguras e onde o rap acaba por ser secundário numa história universal onde vale a pena sonhar e perseguir os nossos sonhos.

Primer [2004]



de Shane Carruth

Alimento para o cérebro

Primer é um filme de baixíssimo orçamento que promete uma abordagem intelectual à temática da viagem no tempo. Quatro amigos reunem-se à noite numa garagem para desenvolver experiências científicas, em busca de algo revolucionário com que possam ganhar o suficiente para largar os aborrecidos empregos das nove às cinco. Quando uma das suas experiências acidentalmente produz resultados inesperados o fascínio pela descoberta impele-os por um caminho onde a realidade vai ser posta em causa e onde o resultado pode ser trágico.

Com uma execução artesanal e com interpretações amadoras é, apesar disto, no argumento que reside a maior fraqueza de Primer. Optando por uma abordagem realista e científica, mas pouco estimulante, à execução das experiências, e por uma cuidada e aturada exposição das regras que irão permitir uma coerente suspensão da descrença do espectador, rapidamente a narrativa se torna um novelo de difícil compreensão. Com um ritmo que se vai tornando cada vez mais confuso, reflexo da crescente vertigem dos próprios personagems, o resultado é um filme com excesso de cérebro mas parco em alma que acaba por ser pouco estimulante e pouco recompensador.